quarta-feira, 20 de outubro de 2010

carta sobre o teatro de rua

esse texto pode ser dito por muito que fizeram essa opção. E que ele sirva de reflexão nesse momento em que conversamos tanto sobre infraestrutura, inscrição, alimentação, comissão. Que sua leitura nos encha de vontade de cada vez mais fazer teatro de rua pelas ruas do mundo



"Eu tinha a idéia de que o povo não sabe se comportar diante dos espetáculos: é grosseiro, insolente e atrevido. Na escola de arte Dramática me ensinaram que o teatro só devia ser feito nas melhores condições.
Melhores condições: as elegantes e perfumadas salas onde o patrão é o que está sentado na platéia e o empregado gracioso e subalterno é o que está no palco. Fomos enganados na escola de arte dramática! Nunca vi um público com tanta imaginação, reconhecendo o ator perdido no tempo. Agora a dois metros de distância. O ator impressionado com esse público do qual havia se separado, crendo que sua missão era tal como haviam dito: trabalhar para reis e cortes; doutores e reitores; para presidentes e senadores, intelectuais e críticos... E segui saindo, toda à tarde, à praça, acompanhado desse público que cada vez soma cem, mil... O ator tão perto do espectador que é possível ver as gotas de suor quando transpira: a dois metros de seus olhos. Isto cria uma atmosfera especial, tanto para o ator como para o público. Esse vínculo não é possível nem no cinema, nem no teatro clássico. Só na rua!
O ator representa e o público deposita sua moeda, voluntariamente, numa caixinha que vai passando de mão em mão... Assim o teatro ambulante se acerca desse grande público. E não o chamam por cartazes, anúncios em jornais. Sai a seu encontro. Aborda-o nas esquinas, nas praças, nas ruas, nos bairros, nas salas de aula. Chegam como velhos amigos se reconhecem e se identificam. Um teatro que não fica esperando público em salas de luxo e perfumadas e que sem suas subvenções, seus custosos aparelhos publicitários e complicadas organizações burocráticas, chega até as massas populares.
... Escapa à compreensão de críticos e intelectuais oficiais que se fazem chamar de condutores da cultura e da arte... São doutores nomeados a dedo que não sabem cantar, bailar, tecer, amassar argila ou soar qualquer instrumento, mas engordam explorando artistas e artesãos. E ordenam repressão contra os atores rebeldes que vão percorrendo aldeias, bairros e vilas desde os tempos remotos...
Os inimigos do teatro de rua são o cachorro, o bêbado, o vento, o barulho, o sol muito forte e a chuva... Adotei cenas pequenas, curtas para pegar o público que passa, o público que sai e o que chega... Na rua sobre público e falta atores.
Não trocaria o teatro de rua por todo ouro do mundo. Trabalhei muitos anos para os públicos seletos: por isso não quero fazê-lo mais.
“Agora sou um camelô, um jornaleiro, um engraxate...”.
 Jorge Acuña Paredes
Mimico do Teatro da Praça São Martin
Lima - Peru
 

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